domingo, 19 de janeiro de 2020

O entardecer

O entardecer pode ser tão belo quanto o amanhecer.
Ambos iluminam mas de forma diferente.
Veja o amanhecer; a luz aparece muito tênue e clara e vai se fortalecendo. Deixa de ser difusa e se torna concentrada. Os contornos do mundo começam a ficar totalmente visíveis. Cada ser, cada objeto podem ser reconhecidos pela sua individualidade. O mundo está nascendo, explodindo em cores, acompanhado de toda a sonoridade da vida. Esta riqueza de energia acelera todos os corpos gerando um movimento quase caótico. E assim a vida começa...
E o entardecer?
Você olha e vê uma luz mais avermelhada, não mais fraca e nem mais forte, um pouco mais antiga diz a física. A penumbra começa a espraiar e os contornos se tornam mais difusos. A energia começa a se ausentar. Os movimentos se acalmam, a sonoridade do silêncio é ouvida e a cortina da noite se aproxima.
Belo?
Sim.....
A penumbra permite enxergar sem ofuscamento. O movimento mais calmo e o silêncio aumenta a percepção do fato e a beleza, passada, presente e futura, pode ser contemplada em todo seu esplendor sem a paixão do caos.
Belo momento que não deve ser desperdiçado...
E a cortina da noite não assusta?
Sim, mas todo grande mistério também.
Seria bom que a verve de aventura imperasse e descortinasse a noite. O medo se esfumaçasse e então a luz escura, que não se conhece, trouxesse a paz de um novo e diferente dia.
E assim a vida se aquieta...




Poder e Liberdade

Estamos saindo do primeiro quinto do século 21 e mais do que nunca se discute liberdade e poder. Esta pauta me parece que nunca se extinguirá na sociedade humana. Ao longo de toda a sua existência acredito que o conceito ou melhor as exigências de liberdade e poder tenham se modificado bastante.
Ao me aproximar de sete décadas de existência questiono a condição primordial que temos deste conceito: ser livre e ter poder..
Liberdade e poder é uma condição ou sentimento em uma relação?
Pois obviamente só existirão se houver o outro.
Sendo condição poderíamos acreditar que ter liberdade é agir estritamente dentro das regras estabelecidas pelo próprio individuo e sendo emoção é gerar situações para atender todos os instintos de prazer do próprio indivíduo.
Volto a pergunta; esta necessidade é construída ou foi incorporada à genética humana pela sua ancestralidade ?
Tenho, hoje, uma rara oportunidade de vivenciar o desenvolvimento físico, psicológico e emocional dos meus filhos mais novos e me parece que esta condição de liberdade e poder é inerente ao homem.
A criança nos seus primeiros meses e anos de vida tentará impor toda a sua liberdade e poder sobre o ambiente que a cerca. Testará todos os limites de ser livre para suas ações e impor emocionalmente o seu poder a este ambiente.
Me parece que esta emoção, muito mais que condição, foi essencial a sobrevivência de toda linhagem humana ao longo do seu desenvolvimento. A sociedade primitiva não conseguiria sobreviver sem estes conceitos. E hoje ?
Bem, a algum tempo atrás sociedades ainda primitivas começaram a educar de maneira sistêmica seus indivíduos a assumirem funções dentro do grupo para que o grau de sobrevivência fosse mais elevado. A liberdade individual cede a liberdade grupal. A emoção cede à uma condição. Constrói-se ritos de passagem para indivíduos de uma comunidade/sociedade.
E nos dias atuais?
Me parece que existe um retrocesso na visão individual e grupal destas condições.
Sobre o aspecto individual o egocentrismo natural da criança se perpetua por tempo demasiado. Não existe um rito de passagem claro. A visão de família, que é a primeira rede de proteção, está esboroando. Indivíduos chegam aos quarenta anos sem sair do ninho. Fazem beicinho quando contrariados, fazem joguinho de poder no núcleo familiar, geralmente núcleo bastante conservadores  ( a miséria não abre espaço para este tipo de comportamento).
Qual o significado disto?
Isto nos remete aos nossos irmãos de milhares ou milhões de anos atrás. Sem esta rede de proteção primária, a família, a nossa sobrevivência como individuo está ameaçada.
E hoje o que significa ter liberdade e poder dentro de sociedades de milhões de indivíduos se o núcleo básico desta mesma sociedade está caótico?
Lembrando que a emoção individual de poder e liberdade foi essencial para sobrevivência, juntar para matar, correr para sobreviver. Com a fixação do homem a terra e seu sedentarismo houve a substituição do conceito individual para coletivo nas comunidades. Hoje não observamos estes mesmos preceitos.
A liberdade pleiteada é para ser ter um mundo virtual onde o fato é falso e o falso é fato, em um mundo a beira da esquizofrenia, onde a negação é a condição mais usual.
O poder é empoderar cor de pele, opção sexual, visão religiosa ou o conservadorismo social tão bem cantado por Cazuza..
O que fazer no macro?
Difícil dizer...tentar uma mudança vindo do topo da pirâmide para base sempre foi muito perigoso. O desastre é sempre eminente, ou a liberdade corrói o poder ou o poder destrói a liberdade.
Talvez o melhor caminho seja da base da pirâmide para o topo. A liberdade e o poder dentro da família deve permitir o surgimento e desenvolvimento da cidadania primordial para o conceito de comunidade e bem universal.
A liberdade de ser transparente, a liberdade ser ouvido, a liberdade de ir e vir, a liberdade de ser...
O poder de criar e modificar as regras pela qual queremos viver.
Difícil não, e muito mais, se inserirmos a riqueza...isto lembra o problema dos três corpos:
O problema fundamental é prever os movimentos de três corpos (como estrelas ou planetas) atraídos mutuamente pela gravidade, dadas suas posições e velocidades iniciais. Se todos os três objetos são de tamanho e distância comparáveis ao ponto central, uma luta pelo poder se desenvolve e todo o sistema é jogado no caos. Quando o caos acontece, torna-se impossível rastrear os movimentos dos corpos usando matemática regular.
Será que como sociedade estamos caminhando para o caos sem podermos rastrear os movimentos sociais usando o conhecimento humano?
Reflitam...