sábado, 12 de setembro de 2015

Carta a minha filha

Hoje quase não escrevemos carta. As mensagens são curtas, ligeiras, galopantes. A poeira não levanta. Parece que escrevemos na areia, ou o vento apaga ou o mar leva.
Quero escrever uma carta a minha filha. Palavras que fiquem. Não por minha vaidade. Palavras que tragam o passado ao presente mostrando caminhos que percorri. Certo ou errado servem como um marco.
Filha, na maioria das vezes o mundo não é parecido com aquilo que gostaríamos que fosse. Fazemos escolhas muito mais na expectativa e no sonho do que nos é mostrado dia após dia. Nossa lente de ver a realidade é distorcida pelos nossos desejos. Daí o provérbio que seu velho pai repete com frequência; “cuidado com seus desejos, eles podem se realizar”.
Percorremos muitos caminhos juntos, alguns muito lindos e alguns muito sofridos. Recorde-se. Os lindos caminhos você terá dificuldades de lembrar, os sofridos virão rápido à sua memória. Dificilmente aprendemos com os momentos lindos e felizes, ao contrário dos sofridos. É normal. Então vamos aprender com a dor.
Agora posso olhar para trás com certa paz. Seja pelo longo caminho que já percorri que trouxeram alguns calos na alma e pequenas cicatrizes no coração, seja pela ternura que vem pela compreensão da alma humana, sobre a qual penso todos os dias.
Escolhas que julgamos certas às vezes não se mostram boas. Paciência, devemos nos perdoar. O que não pode ocorrer é não entendermos o que deu errado. Sem isto não podemos mudar o rumo, escolhermos outro caminho. Se fizermos escolhas sem este entendimento, com certeza escolheremos caminhos errados julgando-os certo.
Devemos primeiro reconhecer a miopia pela qual vemos o mundo, o nosso dia a dia. Trocar a lente às vezes é necessário. Ver o dia a dia como ele se apresenta e não tentar trazê-lo para aderir àquilo que achamos que é certo. Ao fazer isto você está misturando dois mundos. Tudo fica muito confuso, embaçado, sem nitidez. As decisões se tornam difíceis de serem tomadas. A dor virá com certeza e virá pela falta de ação. Como corrigir isto?
Seu pai só descobriu uma maneira, devem existir muitas outras. Observar fatos desagradáveis que se repetem em sua vida e questioná-los; foi a maneira pelo qual mudei minha lente. Acho que a explicação é simples; se fatos similares e ruins se repetem no meu cotidiano, a Vida está mostrando que a minha visão de mundo está fora de foco e não estou tomando ação para mudá-la. Conselho do pai observe os fatos ruins que ocorrem na sua vida e tente olhar de maneira diferente questionando o porquê das repetições. Com certeza algo novo surgirá.
Como consequência deste processo alguns valores deverão ser mudados, trocados ou eliminados. O pai tem um principio que foi aprendido em certo momento da vida e que muito o tem ajudado. Temos que ter um Credo e a ele fazer três votos. De pobreza; nosso credo tem que ser pequeno, com poucos princípios. De obediência; se acreditamos nele devemos segui-lo. De castidade; se o temos e acreditamos nele não podemos ficar flertando com muitos outros. O Credo é mutável ao longo de sua vida. Ele é aquilo que traz paz a sua vida. Os valores do seu credo não só podem como devem ser mudados em função dos bons caminhos encontrados e para eliminação da repetição dos fatos ruins em sua vida.
Lembre-se sempre nem sempre aquilo que acreditamos ser certo e justo é bom. Nem sempre o que é bom é certo e justo. Devemos sempre estar procurando um novo certo para que corresponda aquilo que é bom. A transgressão mais difícil de ser feita é a que temos que fazer conosco.

Um beijo na alma e no coração do seu pai.

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