Meu pai falou :
Helena pediu pra te lavar lá, ela quer te ver.
Fiquei um pouco amedrontado , até hoje guardo na memória apesar dos meus 7 anos. Na época era vista como uma mãe-de-santo poderosa ou algo parecido. Inspirava respeito e diria medo.
Meu pai me levou. Subimos a rua do Monte.. Helena morava em seu meio. A entrada era um portão de aço carcomido que dava acesso a uma escada para baixo. Descemos e batemos em uma porta de madeira maciça que continha pequenas janelas de vidro. Pai bateu na porta e Helena abriu e ordenou que entrássemos. Ela sempre falava em um tom autoritário e meu pai nunca a contradizia.
Entramos. A sala era um grande altar. Pequenas estátuas de santos católicos e grandes estátuas de entidades das religiões africanas.
Iniciou um ritual de pequenas cantorias, acendimento de velas, de incensos e de charuto. Repentinamente incorporou uma entidade. Assustei. Era algo muito estranho para mim. A voz mudou e a expressão corporal também. Me arrodeou, começou me dar passes e soprar a fumaça do charuto em mim e falar em uma língua desconhecida. Não lembro se sentia medo ou curiosidade. Fiquei imóvel. De repente parou e se virou pro meu pai e começou uma conversa. Muito criança não lembro da conversa em detalhes mas versava nos cuidados me deveriam ser dados pois poderia ser "alguém na vida" pois eu era filho de....Xangô.
Assim como veio a entidade se foi. Fez algumas perguntas a meu pai pois desconhecia a conversa e confirmou que era filho de Xangô. Apontou para o altar onde havia uma estátua de São Jerônimo sentado com um leão ao seu lado e atrás uma estátua de um orixá que hoje acredito ser Xangô.
Pediu que eu sentasse pois até aquele momento estava de pé. Sentou-se em frente e me aconselhou. Você é um menino inteligente, tem que estudar e sair daqui ( não sei se quis dizer daquela pobreza quase miséria em que vivíamos ou do local mesmo ). Se formar ( na época quem conseguia estudar até o ginásio, fundamental de hoje, era bacharel pronto para ter um bom emprego ) e ser um médico ou um engenheiro (um sonho talvez insonhável para meus pais ). Pediu que eu cuidasse deles na velhice e nunca os abandonasse pois os filhos de Xangô eram justos e leais. Nos despedimos e fomos pro nosso barraco. Nunca soube o motivo daquele encontro.
O tempo passou e encontramos Helena algumas vezes na venda ou na feira e ela sempre perguntava a meu pai como estava indo ( interessante que era sempre com meu pai, não lembro Helena conversando com minha mãe ) mesmo eu estando a seu lado. Depois ela me perguntava algo sobre a escola e se eu estava bem. Perdi contato com ela na adolescência e tive noticias que faleceu. Era assustadora mas acredito que era uma boa mulher.
Em uma ocasião no início da adolescência fui com minha prima a um terreiro de umbanda onde minha tia trabalhava e fiquei assistindo uma sessão na plateia. Após o ritual de incorporação um dos umbandista incorporado caminhou no corredor no qual estava sentado, parou em frente olhou para mim e disse de maneira suave; você é filho de... Xangô.
Passou muito tempo e vejo que de certa maneira esses fatos marcaram minha vida e de certo modo somaram no meu desejo de "ser alguém na vida". Foram fatos estranhos, com pessoas estranhas me dando o mesmo recado. Talvez soprado em suas mentes pelo meu pai espiritual...Xangô.
Relato forte.
ResponderExcluirComo a espiritualidade age em cada detalhe. E você honrou muito bem estes conselhos!
Parabéns!!!
Salve Xangô!