segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O Velho e a Morte ( I )

Achei estranho aquela figura que conversava com um velho. Curioso, aproximei com cara de paisagem e direcionei minha melhor orelha, a direita pois é mais aberta e um  pouco maior, para os dois. A conversa já estava adiantada:
Velho - Mas eu tenho...
Figura - Medo de que?
Velho - Você não teria medo de acabar?
Figura - Acho que sim, mas o que acha que é acabar
Velho - Ora..., acabar é acabar. É virar nada.
Figura - Mas você hoje é alguma coisa. Você tem uma história. Como isto pode acabar?
Velho - Você não entende mesmo, né?!! Olha para mim. Tá me vendo? Isto vai acabar.
Figura - É..estou vendo seu corpo. Concordo que ele um dia vai acabar, quer dizer, vai se transformar em outra coisa mas o seu medo, a sua vontade de me chamar de burro vai para onde?
Velho - Vai tudo embora, não fica nada, entendeu????
Figura - É... acho que entendi. Você tem medo de ir embora e não de acabar. Se  você soubesse o que aconteceria quando seu corpo parasse, este medo não existiria, não é??
Velho - Claro.. se eu tivesse certeza que existe algo depois que meu corpo parar, eu não teria medo de morrer. Você é meio tapadinho, né ??!!
Figura - Sou. Meu Pai sempre me disse que eu não sei explicar direito as coisas. Sou piloto, sabe??
Na maioria das vezes tenho que explicar aos passageiros, de onde estamos vindo, para onde estamos indo e estas coisas de viagem. Nunca consigo explicar muito bem mas sou insistente, estou melhorando. Mas mudando um pouco a direção da prosa... Você tem filhos?
Velho - Poxa, você é mais retrô do que eu. Tenho 3 filhos, porque?
Figura - Com a mesma esposa?
Velho - É. Ela já  se foi..
Figura - Sei...Tem algum filho que te traz mais preocupação?
Velho - O mais velho. Sempre turrão, cabeça dura. Vive dando topada na vida e não consegue aplumar e se acha o bambambam...
Figura - E os outros dois?
Velho - O caçula é muito centrado, tranquilo, um bom rapaz. Do meio é uma menina, inteligente, médica mas não para em lugar nenhum. Parece que tem bicho carpinteiro.
Figura - Interessante né??!! Filhos dos mesmos pais, criados dentro mesma família e acredito na mesma comunidade e tão distintos. Já se perguntou porque da diferença?
Velho - Já. Não consigo explicar muito bem. Tiveram a mesma criação, o que dei a um, dei aos outros. Realmente, as vezes me pego perguntando onde errei com o mais velho?
Figura - Já pensou que tem algo a mais nos seus filhos além da genética de você e de sua esposa e dos valores da sua família e da comunidade ?
Velho - Claro, seu boca mole!!! Você quer falar da alma, certo?? Se existe alma, existe continuidade, certo??
Figura - É.
Velho - Com quase noventa, você acha que não pensei muito sobre isto. Tem muito papo de padre cantor, pastor roqueiro, babalorixá extraterrestre tentando explicar o reino dos Céus. Desisti desta turma a muito tempo mas andar sozinho nesta seara dói e e consigo no máximo ficar na penumbra.
Figura - É concordo. Mas seria legal falar sobre a alma. Pode doer mas pode ser um bálsamo.  Pai falou que conversar com você faria bem a nós dois. Preciso ir tenho pois tenho um compromisso e tem um "spy" orelhudo escutando nossa conversa.
Velho - Deixa quieto. É bom que ele aprende alguma coisa. Traz seu pai aqui, você me parece um moço inteligente e seu pai deve ser boa gente.
Figura - Trazer o Pai, logo, é difícil. Mas se ele puder ajudar, ele ajuda. Tchau. Te encontro
Velho - Tchau. Tô sempre por aqui. Não dá para ir muito longe. Ei, de onde seu pai me conhece?
A figura estranha foi embora, sorri para o velho com um jeito de convite para conversar. Ele sorriu. Talvez eu consiga ser um penetra no próximo papo.

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