quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Velho e a Morte (II) - o Curioso

Acho que o velho foi com a minha cara. Sorriu, eu me aproximei.
Curioso - Oi!! Tudo bem?
Velho - Tudo. Você é novo por aqui? Não tinha lhe visto.
Curioso - Não. Moro aqui perto a bastante tempo mas quase não passava por aqui. Com a inauguração do novo supermercado faço agora este caminho com mais frequência.
Velho - Hamm !! Mas me diga uma coisa porque você estava parado escutando a nossa conversa, eu e o Piloto.
Curioso - Piloto ??!! Achei o camarada meio estranho, por isso parei. As roupas são meio espalhafatosas mas a fisionomia é tranquila e a expressão corporal também. Foi o contraste. Aí eu escutei que vocês falavam sobre alma e fiquei curioso. As vezes penso sobre isto de maneira muito superficial. Acho que sou muito jovem para pensar nisto com mais intensidade. Como você falou que já pensou nisto muitas vezes, isto aguçou minha curiosidade.
Velho - Você acredita que todos temos uma alma?
Curioso - Acho que sim mas não conheci nenhuma até hoje.
Velho - Muito engraçadinho. Professa alguma religião, algum credo?
Curioso - Sou católico brasileiro. Fui batizado, fiz primeira comunhão e só li a Bíblia em história em quadrinho.
Velho - É, realmente a sua cultura filosófica-religiosa é extensa....
Curioso - É, mas não é menor que 99% dos católicos ou dos que se dizem cristão.. Mas e a alma, temos ou não?
Velho - Bem... difícil de explicar. Vamos partir do principio que ela exista e não vamos questionar o porque ela existe. Existindo a alma nós somos que nem aquelas bonecas russas. Você conhece?
Curioso - Sei. Aquelas bonequinhas de madeira que vem uma dentro da outra.
Velho - Exato. A primeira bonequinha seria a nossa alma, que se poderia dizer que é uma energia divina, a imagem de Deus. A segunda bonequinha que cobre a primeira, é o nosso corpo, que é imagem dos nossos pais, a terceira bonequinha é a nossa família que trazem os valores dos nossos antepassados e a quarta e última bonequinha é a nossa comunidade que contém os valores da nossa vida em grupo.
Veja bem, a nossa alma precisa da nosso corpo para entrar em contato com o universo material que nos cerca. Precisa dos nossos sentidos; visão, audição, olfato, paladar e tato para se conectar com este universo e ao mesmo tempo precisa armazenar, processar e aprender com todos todos os sinais captados pelos nossos sentidos. Através deste corpo absorvemos todo o conhecimento e valores dos nossos antepassados e os valores que organizam a sociedade em que vivemos.
Dentro deste conceito podemos dizer que há um certo determinismo pois o nosso corpo é pre-concebido pelas leis genéticas, nossas estruturas familiar e comunitária, com seus valores, estão estabelecidas  e vivemos neste conjunto de leis; pergunto então, se somos fruto deste amalgama determinístico, porque mudamos tanto ?
Curioso - Deixa ver se eu entendi. Se corpo e valores são pre-determinados, onde fica a questão do livre arbítrio? Com a alma? Ela é o agente da mudança? Ela existe?
Velho - Falar com certeza que sim, eu não posso dizer pois como você diz eu nunca vi uma alma, mas veja bem, talvez possamos ver e conversar com a nossa alma.
Curioso - Bem... Se eu sou a alma e alma sou eu, fica difícil....a única coisa que eu consigo ver de mim mesmo é quando estou de cara com o espelho.
Velho - É você tem um bom raciocínio apesar da sua extensa cultura. É isto mesmo. Você tem uma visão para fora e uma visão para dentro. Para que isto ocorresse de forma natural seria necessário que todas as lentes fossem retiradas. E o que são estas lentes?
São nossos sentidos, são nossos valores, nossas experiências e nossas emoções. Enfim são nossas bonequinhas opacas. Tudo isto embaça a nossa visão exterior assim como a visão interior e isto impede a nossa conversa com a nossa alma.
Diria eu, se pudêssemos, hoje, abrir cada bonequinha de tal forma que nossa alma conseguisse ver o esplendor do universo com os sentidos aprendidos assim como nosso corpo conseguisse ver a grandeza da alma com as nossas emoções aprendidas. Sem valores, sem pudores....Aí sim então poderíamos começar a conversa com ela e também começar aprender Deus.
Curioso - Poxa... Já é difícil entender isto quanto mais tentar fazer...
Velho - É isso aí... É difícil este encontro com a alma e encontrando são tantas as perguntas e a que mas nos assusta é se existiria ou não a sua individualidade.
Curioso - Como assim?
Velho - Seremos indivíduos para toda a eternidade ou seremos um todo eterno, que seria quase como dizer que deixaríamos de existir. E aí está a minha conversa com o Piloto. Existe neste meandro centenas de questionamentos e a maioria sem uma resposta convincente. Ele sabe disto, é muito inteligente. O resumo da ópera é que ele acredita que chegamos a alma pela nossa individualidade e necessidade de mudança e afirma: "Nossa alma vem incompleta a este Universo e sua missão é se completar", é dela , só, dela.
Curioso - Bonito. Vou pensar no assunto. Quanto o Piloto passa de novo por aqui?
Velho - Não sei bem. Ele costuma conversar muito com o Sampaio.
Curioso - Gostaria de conversar com vocês. Achei a conversa interessante. O Sampaio está por aí, pra perguntarmos para ele?
Velho - Não Sampaio já foi e não volta mais, mas passa sábado a tardinha, acho que é dia de folga do Piloto.
Curioso - Tá legal, vou tentar passar e condolências pelo seu amigo. Tchau...

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